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Fachada principal de Audley End

Já assistiu a série Downton Abbey? Quem já teve oportunidade de ver esta série sobre uma família de nobres ingleses vivendo numa mansão do interior do país, no início do século XX, vai com certeza lembrar dela série ao chegar aqui. Assim como na fictícia mansão que dá nome à série de televisão, também aqui em Audley End, viveram nobres e suas famílias, rodeados por mordomos, lacaios, governantas, damas de companhia, e muitos outros criados, num mundo que não existe mais, típico da Inglaterra de cem anos atrás. Se esta sociedade voltada para si mesma praticamente desapareceu, felizmente muitos dos palácios em que moravam resistiram ao tempo, e - doce ironia - os atuais proprietários, quase todos precisando de dinheiro para manter seus casarões, tiveram que abrir as portas de suas mansões ao turistas, sempre ávidos em conhecer mais sobre aquela época, seus palácios e pessoas. Mansões como estas são o retrato de uma época que não existe mais, e talvez por isso fascinem e atraiam tantos curiosos, interessados em conhecer de perto como era a vida num lugar assim.

   

Audley End situa-se a pouco mais de uma hora de carro do centro de Londres. Visitamos a mansão num domingo de manhã, em que sol e chuva se alternaram diversas vezes. Construída no século XVII, ela permanece propriedade dos Lordes de Braybrooke, tradicional família de nobres ingleses. Até 1538, existia neste mesmo local um mosteiro beneditino, quando por ordem do rei Henrique  VIII, a propriedade foi transmitida a Lord Sir Thomas Audley, amigo do rei. O monarca, como conseqüência de sua briga com a igreja católica, decidiu expurgar todas as propriedades pertencentes aos religiosos, transferindo-as para amigos e membros da corte. O mosteiro foi demolido por seu neto, Thomas Howard - primeiro Duque de Suffolk - o qual ordenou a construção, no mesmo local, de uma mansão muito maior, onde eventualmente era recebido o rei James I. A arquitetura adotada durante a construção do palacete foi influenciada pelo estilo dominante nos palácios reais da época e fez com que Audley End recebesse instalações em separado para o rei e para a rainha, como era habitual em palácios reais.  Conta-se que o custo das obras em Audley End chegou a mais de duzentas mil libras, uma fortuna para a época, e que o próprio monarca teria contribuído com sua construção.


Jardins de Audley End

 


Holkham Hall

Em 1626, quando o proprietário da mansão faleceu, Audley End já havia se transformado em um autêntico palácio real e acabou por receber, de fato, este título, pois serviu como moradia do rei Charles II, o qual decidiu comprar a propriedade pelo valor simbólico de cinco libras, e usá-la como residência durante as corridas de cavalos de Newmarket, um evento prestigiado pela alta sociedade inglesa. Somente em 1701 o monarca devolveu a propriedade aos lordes de Suffolks. Ao longo dos cem anos seguintes, grande parte do imóvel foi demolida, alterando muito sua aparência e estilos originais. Foram modificadas a fachada principal, algumas alas laterais e diversos aposentos internos. Segundo os registros históricos, o palácio original era três vezes maior, e o que os visitantes encontram atualmente no lugar, é o resultado final destas reformas. Desde o início do século XVIII, o palácio manteve sua aparência e forma, sem novas alterações importantes.

Duques, condes, viscondes e barões são títulos de nobreza, geralmente concedidos por um rei ou rainha, a título de reconhecimento por serviços importantes prestados à corte, ou em troca de dinheiro ou por interesse político. São títulos remanescentes da época feudal, em que o rei ou rainha era dono absoluto das terras e que governava por decretos, fazendo, em resumo, o que bem entendia. Para governar estes monarcas precisavam não somente de força militar, mas também de aliados políticos e de apoio financeiro. Neste contexto, os ‘nobres’, membros de classes dominantes, que tinham fortuna, propriedades e influência, eram úteis ao monarca. O rei recebia seu apoio em troca lhes concedia propriedades, favores e títulos de nobreza. E todos ficavam felizes.

Thomas Audley foi um dos membros desta elite inglesa. Começou sua carreira como advogado, transformou-se em renomado jurista, e teve ativa participação em momentos importantes da história da Inglaterra, favorecendo aos interesses reais em diversas ocasiões. Em reconhecimento pelos serviços prestados à nação (e ao rei), foi agraciado com diversos títulos de nobreza, como 'Barão Audley de Walden' e 'Cavaleiro da Ordem do Garter', uma das mais prestigiadas sociedades reais da época. Recebeu também diversas propriedades subtraídas da igreja, dentre as quais o mosteiro, em cujo terreno seria construído, anos mais tarde, o palácio de Audley End. Foi Thomas Howard, neto de Thomas Audley, e que recebeu o título de 'Primeiro duque de Suffolk' quem mandou demolir a abadia e construir, no mesmo local, o palácio de Audley End.


Um dos acessos da fachada principal

 


Apetrechos de cozinha

Foi Sir John Griffin, o quarto barão da linhagem Howard de Walden e primeiro Barão de Braybrooke, quem providenciou importantes mudanças na propriedade, dando-lhe a aparência que vemos hoje em dia. Entre 1762 e 1797 ordenou a construção de parque e gramados no entorno do palácio, e internamente, reformou sua parte interna, adotando um estilo mais contemporâneo. Mais tarde, já em 1825, foi o terceiro barão de Braybrooke, quem decidiu ornamentar o palácio com obras de arte, e adquiriu centenas de peças, tais como quadros, esculturas, relógios, peças orientais e trabalhos diversos, que até hoje podem ser apreciados em diversos salões, corredores e aposentos de Audley End. A cozinha de Audley End, em particular, é um dos locais que mais impressionam os visitantes, e conta com uma incrível variedade de peças em exposição.

Site oficial: Audley End

Gerenciar uma propriedade como esta não era tarefa fácil, e um batalhão de criados era necessária ao desempenho das tarefas do dia a dia. Em fins do século XIX e início do século XX, a criadagem de um imóvel deste porte incluía diversas pessoas, cada uma com sua função específica. 

O criado de mais alta hierarquia numa mansão como esta era sempre o mordomo (Butler), responsável por supervisionar todos demais criados, receber convidados, e certificar-se que todas etiquetas e normas são seguidas à risca dentro da mansão. Uma de suas mais importantes tarefas é controlar a adega. Logo abaixo na hierarquia situava-se a governanta (Housekeeper), responsável por supervisionar todas as funcionárias do sexo feminino. Ela também era responsável pelo pagamento das contas domésticas e  compra de todos suprimentos da mansão. A criada da proprietária (Lady’s Maid) era ajudante particular da Lady e lhe ajudava a se vestir, separar suas roupas, jóias, penteia seus cabelos e levava suas refeição ao quarto, quando necessário. O lacaio (Footman) tinha funções diversas, como manter sempre lustrados os sapatos do Lorde, passar e escolher suas roupas, servir o jantar e eventualmente acompanhar a carruagem da família. 


Cozinheira em ação

As diversas criadas (Housemaids) tinham muitas funções e era as primeiras a acordar, geralmente às quatro da manhã. Sua função era manter o palácio limpo, lavar o chão, limpar cortinas, acender o fogo da lareira e tudo devia estar pronto antes do Lord e de Lady descerem de seus aposentos. O Roomboy era o menos qualificado dos serventes, e executava tarefas como polir metais, trazer carvão para a cozinha, carregar lenha e servir como criado do Mordomo e da Governanta. Existia, também entre os criados, uma rígida hierarquia, e os mais graduados faziam suas refeições em separado, enquanto os demais, comiam juntos na cozinha. A equipe de empregados incluía ainda cozinheiras, ajudantes de cozinha, motorista ou cocheiro e jardineiros, entre outros. 

Estes criados diversos não estão mais lá, mesmo assim, para dar um gostinho de passado ao palácio e alegrar aos turistas que adoram estas coisas, Audley End mantém algumas pessoas trabalhando com trajes de época, usando praticamente os mesmos utensílios domésticos e desempenhando as mesmas atividades. Pelo menos na cozinha. Em Audley End três simpáticas senhoras (foto acima) preparavam a massa de doces, scones e outros quitutes, que são oferecidos aos turistas na coffee-shop do palácio, situada logo ao lado.  Na coffee-shop são oferecidos scones com clotted cream, docinhos, sanduíches e pratos leves, acompanhados por chá e café quente, o que caiu muito bem naquela tarde fria de maio em que visitamos Audley End.

O palácio de Audley End tem mais de cem quartos, e está situado no centro de uma propriedade com cerca de vinte e cinco quilômetros quadrados de área e que incluem jardins, campo de cricket, estábulos, horta para plantio de produtos orgânicos, diversas alamedas, recantos, trilhas, lagos e até uma ferrovia, com cerca de dois quilômetros de extensão, construída nos anos sessenta, e que faz passeios turísticos pela propriedade.



Fachada principal e trecho do gramado

Chegar lá foi não foi difícil. Saímos de Londres, de carro, às nove da manhã e pouco depois das dez já estávamos chegando ao local. Tínhamos para nos ajudar, um GPS, já que o caminho até o palácio incluia diversas estradas, sendo algumas secundárias. Também é possível ir até lá de trem, e a estação mais próxima é Audley End, onde pode-se pegar um táxi para percorrer os três quilômetros restantes até o palácio. Toda região é cercada por jardins e gramados muito verdes e impecavelmente tratados. Um grande portal de três arcos, situado na Audley End Road e sob a escultura de um leão, dá acesso aos jardins, e logo após surge a fachada principal do palácio. O pagamento da taxa de visitação é feito logo após o arco, e quem estiver de carro pode estacionar dentro da propriedade. Não é necessário agendar a visita com antecedência. A lamentar apenas que não são permitidas fotos ou vídeos no interior do palácio. Fora isso, a visita a Audley End foi um passeio bonito e interessante, e nos permitiu conhecer um pouco mais sobre um mundo que não existe mais, habitado por lordes, condes e duques.

Vídeo: De carro nos arredores de Audley End