Se um dia o Reino Unido precisasse indicar apenas um nome para representar sua galeria de heróis, Horatio Nelson seria, sem dúvida, o principal candidato. Gênio militar, estrategista ousado, predestinado pela história, estes são alguns dos adjetivos sempre associados ao seu nome. Mas ele era acima de tudo um homem que acreditava em si mesmo. Que amava seu país mais do que a própria vida, e que não excitava em seguir à frente de seus homens na hora da batalha. Ao mesmo tempo, no que dizia respeito à sua vida amorosa, não aceitava submeter-se às falsidades de uma rígida sociedade conservadora Inglesa. Foi um homem de contrastes. Vaidoso, obcecado, voluntarioso e apaixonado. Suas vitórias navais asseguraram à Inglaterra a soberania dos mares durante mais de um século, e permitiram ao país adentrar um período de desenvolvimento econômico e poderio militar sem paralelos, e que iriam reinar absolutos até o início do século 20. Nelson nasceu em 29 de setembro de 1758, perto de Norwich, nordeste de Londres. Ele era o filho do meio de uma família pobre de onze irmãos. Quando não estava na escola, podia sempre ser encontrado frente ao mar, onde passava horas sonhando embarcar num dos veleiros que passavam ao longe da costa. Sua mãe morreu de pneumonia quando ele tinha apenas nove anos e este evento iria traçar novos rumos em seu destino. Sem condições de criar todos os filhos, o pai de Nelson pediu à um tio da marinha que o levasse para servir à bordo de seu navio. O ambiente à bordo, como é fácil imaginar, não era dos mais agradáveis, principalmente para uma criança de 12 anos. Trabalho duro, condições de higiene precárias, e tendo como companhias homens rudes, alguns alistados à força e outros condenados, cumprindo pena. Mesmo assim Nelson estava onde sempre sonhou, no mar, e aos 16 anos já conhecia todos os ofícios de bordo melhor que muitos marinheiros experientes. No século 18, as potências militares do mundo eram Inglaterra, França, Espanha e Holanda. Era a época do colonialismo, e todas estas nações procuravam expandir seu poderio e riqueza com a conquista de novos territórios nas terras ainda virgens da África, Ásia e Oceania. Os conflitos de interesse entre estes países eram inevitáveis, assim como as batalhas. Em 1779 a Inglaterra estava em guerra contra todos ao mesmo tempo, além de enfrentar a guerra de independência dos americanos. Além disso, defendia suas colônias na Índia, Austrália, Canadá e Nova Zelândia. Neste período Nelson participou de diversos combates, sempre com destaque, e aos 21 anos sua perícia já tinha feito dele um dos mais jovens capitães da marinha inglesa. Mas após a ação, veio a inércia, e durante um bom tempo Nelson foi designado como integrante de uma força de ocupação do Caribe. Aborrecido e entediado por não estar em alto-mar, o sempre romântico Nelson envolve-se com Fanny Nisbet, uma jovem viúva, o que termina em casamento. Seu retorno à Inglaterra ocorre apenas depois de três anos. E outros dez anos ainda iriam transcorrer, durante os quais, para seu desespero, ele desempenha apenas funções administrativas no Almirantado de Londres. Ironicamente, foi graças aos franceses que Nelson voltou ao mar. A revolução Francesa tinha ateado novamente fogo à Europa, e uma nova guerra fora declarada. Nelson é convocado, assume o comando de um navio e parte com destino à Itália. Ele ainda não sabia, mas este era também o momento em que deixava o porto dos homens comuns para tornar-se um mito na história. Durante os cinco anos seguintes, Nelson participa de diversas batalhas no mediterrâneo, em Gênova, Córsega e São Vicente. Consegue grandes vitórias, mas o sucesso lhe custa a perda da visão de um olho e paralisia quase total do braço esquerdo. Mesmo gravemente ferido, ele recusa-se a voltar para a Inglaterra. Ao invés disso, o agora Contra-Almirante Nelson assume o comando da frota Inglesa e parte no encalço da armada francesa. Seu objetivo era destruir as tropas de Napoleão Bonaparte, que ameaçavam invadir a Inglaterra. Seguindo sempre sua intuição, Nelson localiza a armada Francesa ancorada num porto do Egito. Era noite de primeiro de agosto de 1798, e imediatamente foi dada a ordem de atacar. O plano inglês era arriscado e inovador. Ao invés de atacar todos navios ao mesmo tempo, como era comum na época, Nelson deu ordem de concentrar todo poder de fogo de sua frota em apenas um navio francês, e quando este fosse destruído, todos concentrariam o fogo no navio seguinte, assim por diante. Além de grande estrategista, Nelson era também um exímio frasista, e sabia como ninguém criar frases de efeito para incentivar seus homens. Disse ele: “Um homem corajoso não corre mais riscos que um covarde”. E deu a ordem de ataque. Em pouco tempo os ingleses tinham cercado a frota francesa, e duas horas após o início do ataque, a Orion, Nau-Capitânea da esquadra francesa, explodiu em chamas, num estrondo que pode ser ouvido à 80 km de distância, e que causou um golpe mortal na moral das tropas Napoleônicas. A batalha durou toda a noite, e quando o dia raiou, das treze embarcações francesas, apenas duas tinham conseguido escapar à destruição e suas baixas eram dez vezes maior que as inglesas. Nenhuma embarcação inglesa havia sido perdida. Mais do que uma batalha ganha, a vitória do Nilo havia afastado a ameaça de invasão francesa, a Inglaterra havia garantido o caminho livre para suas colônias do oriente, e Nelson havia se transformado no maior herói nacional. Mas ele havia, mais uma vez, sido gravemente ferido. Um tiro à queima roupa quase lhe estourou a cabeça, e lhe obrigou a passar meses em Nápoles, para tratamento. E foi lá que conheceu Emma Hamilton. Emma era casada com o embaixador Inglês, Lord Hamilton, bem mais velho que ela. Ela era de origem humilde, e alguns garantem, com um passado duvidoso. Mas era lindíssima, agradável, simpática, gentil, cuidou dos ferimentos de Nelson com afeto, e não foi preciso muito para ele perceber como nada significam as tolas convenções sociais quando se descobre o amor verdadeiro. Ela era a paixão pela qual Nelson havia procurado toda vida, e assim como ele enfrentava os inimigos da Coroa em alto mar, estava também disposto a enfrentar o resto do mundo pelo amor de sua vida. Lord Hamilton, ao perceber a situação, agiu na forma que recomenda a fleuma britânica, e desmanchou de forma amigável sua união com Emma. Em Londres, o caso representou um forte escândalo e uma sonora bofetada no rosto da alta sociedade e aristocracia. Sua condição de maior herói nacional não combinava em nada com seu novo papel de destruidor de lares, e muito menos de trazer a tiracolo uma fulaninha saída ninguém sabia de onde. Não que todos eles não fizessem o mesmo, é claro. A diferença estava em que todos o faziam por baixo dos panos, procurando sempre preservar as aparências de moralidade exemplar. Mais do que um ultraje à sociedade, a atitude de Nelson incomodava também pela coragem demonstrada de separar-se de Fanny e assumir publicamente seu romance com Emma, à esta altura grávida de sete meses. Mas o povo das ruas pouco se importava com tudo isso. Nelson havia evitado a invasão da Inglaterra e isso era o que importava. Seu nome enfeitava bandeiras, batizava pubs e era motivo de canções e poemas por todo país. A perda de um olho e um braço e todos os outros seus ferimentos só o tornavam ainda mais respeitado aos olhos do povo. E não seria por casa de seu novo amor que ele deixaria de ser amado e respeitado. Mesmo assim o governo decide manter Nelson afastado de Emma, e a única forma possível para isto é enviá-lo novamente para o mar. Neste meio tempo, o exército de Napoleão havia se tornado ainda mais forte e conquistado toda Europa. Apenas a Inglaterra não havia sucumbido ao seu domínio. Nelson é enviado à Dinamarca, e num momento difícil, mesmo contrariando as ordens superiores de retirada, ele decide atacar. Fiel ao seu estilo, ele alegou que tinha colocado a luneta no olho cego, e por isso não viu a ordem de retirada enviada por seus superiores. Esta pequena mentira tática lhe valeu a vitória na batalha de Copenhagem, e mais uma vez afastou o perigo de invasão à Inglaterra. Nelson, agora responsável pela frota inglesa no mediterrâneo, passa os dois anos seguintes no mar. Sua nau capitânea é o Victory, e novamente ele está à procura da frota de Napoleão. Um dos fatores determinantes na vantagem dos ingleses em batalhas navais, residia na sua habilidade em recarregar os pesados canhões com rapidez. Em apenas 90 segundos, uma equipe de 12 homens deixava os canhões em condições de atirar novamente. Isto era cerca da metade do tempo necessário pelas outras armadas. Mas o principal fator da vantagem inglesa estava em seu próprio comandante. Nelson sabia se comunicar com seus homens como poucos almirantes de sua época. Seus oficiais e marinheiros tinham confiança nele. E principalmente, ele estava sempre à frente de seus homens. Este revolucionário sistema de comando, baseado no coleguismo, lealdade e respeito, mostrou-se fundamental na definitiva vitória que se aproximava. Na noite de 19 de outubro de 1805, a frota napoleônica é localizada junto ao estreito de Gibraltar. Próximo à ela está também a armada espanhola, aliada dos franceses. Na mesma hora Nelson reúne seus homens e traça os planos de combate. Fica decidido que a batalha acontecerá em Cabo Trafalgar. Os franceses tem 33 navios contra 27 dos ingleses, e para compensar a inferioridade numérica, Nelson decide formar com sua frota uma espécie de lança, de modo a partir a sólida formação defensiva francesa. Contrariando o conselho de seus capitães, ele decide também que seu navio, o Victory irá à frente, de forma a liderar o combate. Assim como na batalha do Nilo, seu plano era uma mistura de engenhosidade, coragem e risco. Nelson ordena que sejam içadas bandeiras sinalizando a seguinte mensagem: “England expects that every man will do his duty” (A Inglaterra espera que cada homem cumpra seu dever). A frase no entanto, era longa demais para ser formada pelas bandeiras, e não cabia nos mastros. Nelson então ordena que sejam exibidas apenas as primeiras palavras: “England expects”, uma frase de duplo sentido, e que logo entraria para a história. A seguir ele chama o capitão do navio e lhe dita a seguinte ordem: Diga à Inglaterra, que meu último desejo é que o país cuide bem de Emma e minha filha Horatia. A seguir ordena o ataque. São 12 horas do dia 21 de outubro de 1805 quando começa a batalha de Trafalgar. Os franceses foram os primeiros a atirar enquanto o Victory avançava velozmente contra o centro da formação, e Nelson comandava pessoalmente as ações do tombadilho superior. Depois do primeiro choque, o Victory avança contra a nau Redoutable e colide contra ela. Os dois navios ficam enganchados em meio ao fogo, fumaça, explosões e mastros desabando. Soldados do alto dos mastros atiram no que conseguem enxergar e um deles, um marinheiro francês, consegue vislumbrar Nelson no meio da fumaça e atira. Sua bala atinge em cheio o alvo, atravessa seu ombro, perfura o pulmão e se aloja em sua coluna, um ferimento mortal. Mas o comandante não se deixa abater e apenas diz: “Eu nunca quis mesmo uma morte natural”. Ao ser carregado para a enfermaria do navio, teve ainda o cuidado de tapar o rosto com um lenço, para que seus homens não o reconhecessem e ficassem desmotivados para o combate. Três horas depois, pouco antes de morrer, ouviu uma grande comemoração vinda do convés superior, enquanto seu nome era saudado por todos marinheiros. Ao chamar o capitão para saber o que estava acontecendo foi informado que a nau capitânea inimiga havia acabado de se render, e que este gesto fora seguido por outros 15 navios franceses. Era a derrota definitiva da armada oponente. Ao fim do combate, 18 navios franceses haviam sido destruídos, com 6.500 homens feridos ou mortos em combate, e milhares de outros feitos prisioneiros. Nenhum navio inglês foi perdido, e suas baixas foram mínimas. Foi a maior vitória naval já vista, e nada deste porte voltaria a acontecer até a segunda guerra mundial. Acima de tudo, esta vitória representava o fim das armadas francesa e espanhola, e garantia à Inglaterra o domínio inconteste dos mares e de todas suas colônias pelos próximos cem anos. Sabendo que ia morrer, Nelson disse que não queria ter seu corpo jogado ao mar, como era costume entre os marinheiros mortos em combate, e sim ser levado de volta à Londres. No entanto, a viagem de volta levaria semanas, e como preservar um corpo durante tanto tempo? A solução encontrada foi tão original quanto as táticas de guerra adotadas por Horatio. Foi decidido colocar seu corpo dentro de um barril de conhaque, de forma que o álcool pudesse preservá-lo até a chegada em sua terra natal. Três semanas depois, quando a notícia da vitória e de sua morte chegou à Inglaterra, o país entrou em estado de choque. O retumbante sucesso pouco foi comemorado, ofuscado pela perda daquele homem. Se Nelson já era um herói após a batalha do Nilo, sua vitória em Trafalgar o elevou à categoria de mito. Outras cinco semanas ainda se passariam até o Victory chegar à Londres, trazendo à bordo o corpo do agora Almirante Nelson. Seu enterro foi o maior funeral de estado já ocorrido até hoje. O corpo foi colocado numa urna construída com madeira retirada da nau capitânea francesa, e conduzido ao longo do rio Thames por marinheiros do Victory. Dez mil soldados guardavam as ruas de Londres por onde o cortejo passou. Por trás deles, uma cidade em luto, emudecida e em lágrimas, despedia-se de seu herói. A missa de corpo presente foi rezada na Saint Paul Cathedral, perante a realeza do país e sete mil outros convidados. Mulheres não foram admitidas na cerimônia, de forma a evitar o constrangimento que poderia ser causado pela presença de Emma. Assim, nem sua primeira mulher, nem a paixão de sua vida, puderam despedir-se. Hoje, centenas de lugares em todo país tem seu nome homenageando o homem que levou a Inglaterra a ocupar um lugar de glória nunca antes visto. Na cidade de Portsmouth, a nau capitânea de Nelson foi transformada em museu, onde foram conservados seus pertences e todos os demais objetos de bordo, como se ele estivesse pronto para zarpar à qualquer momento para mais uma batalha. E em Londres, sua principal praça foi batizada de Trafalgar Square. Com ajuda de doações populares foi erguido no centro da praça, um monumento à sua memória. Ele representa Nelson no alto de uma coluna, olhando com seriedade na direção de Cabo Trafalgar. À sua volta quatro leões negros montam guarda. E ao redor crianças brincam, pombos voam, e multidões de turistas tiram fotografias, muitos deles se perguntando quem seria aquela figura no alto de um monumento tão alto, e se ele teria tido alguma importância na historia da Inglaterra. O último pedido de Nelson não foi atendido. A mulher que tinha sido a paixão de sua vida, e sua filha com ela foram completamente abandonadas pelo país. Emma adoeceu e morreu poucos anos depois, tendo como companhia somente a filha. Horatia viveu até os 89 anos. Voltar para página Portsmouth
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